Criando um Oceano Azul com Automação e IA
Transformação Digital no Setor Público: Criando um Oceano Azul com Automação e Inteligência Artificial
A transformação digital no setor público não deve se limitar à digitalização de processos existentes. Ela precisa ser uma oportunidade para novos espaços de valor, onde o foco não é competir com modelos antigos, mas reinventar a forma como o Estado entrega valor ao cidadão. Inspirado nos princípios do livro Estratégia do Oceano Azul e ao conceito de AI First, este artigo propõe uma abordagem estratégica para a automação e o uso de inteligência artificial (IA) no governo, com foco em inovação, eficiência e impacto social.
No setor público, o "oceano vermelho" representa a competição por recursos escassos, processos engessados e foco excessivo em obrigações legais. A transformação digital deve buscar o "oceano azul": um espaço onde a inovação de valor rompe com o status quo, criando serviços mais simples, acessíveis e centrados no cidadão.
Nesta seara em vez de digitalizar um processo burocrático de licenciamento, deve-se, por exemplo, considerar o redesenho do serviço para que ele seja automático, baseado em dados e com validação em tempo real.
Aplicando a matriz ERRC (Eliminar, Reduzir, Elevar, Criar), podemos repensar os processos públicos ajustando-os em um novo modelo a partir da execução das ações adiante apresentadas:
1. Eliminar: Cortando o que não agrega valor.
Eliminar processos e práticas que não agregam valor ao cidadão é o primeiro passo para uma transformação digital eficaz. Muitos serviços públicos ainda carregam etapas redundantes herdadas de modelos burocráticos analógicos. Exigências como autenticação manual de documentos, múltiplas vias físicas e validações presenciais são exemplos de práticas que podem ser eliminadas com segurança e ganho de eficiência.
A eliminação também deve atingir a cultura organizacional. A insistência em manter fluxos de trabalho baseados em papel ou em sistemas isolados impede a inovação. Ao eliminar essas amarras, abre-se espaço para a adoção de soluções mais ágeis, interoperáveis e centradas no usuário. Isso exige coragem institucional e respaldo normativo, mas os ganhos em agilidade e transparência justificam o esforço.
Além disso, eliminar o atendimento exclusivamente presencial é uma medida que democratiza o acesso aos serviços públicos. Em um país com dimensões continentais como o Brasil, a digitalização inclusiva é essencial para garantir equidade. Plataformas digitais acessíveis, com linguagem simples e design universal, substituem filas e deslocamentos por cliques e notificações.
2. Reduzir: Tornar o serviço público mais leve e eficiente
Reduzir o tempo de resposta ao cidadão é uma das metas mais tangíveis da transformação digital. A automação de tarefas repetitivas, como triagem de solicitações ou emissão de documentos, permite que os servidores se concentrem em atividades mais estratégicas. Isso não apenas melhora a eficiência interna, mas também eleva a percepção de qualidade por parte do usuário.
Outro ponto crítico a ser reduzido é a dependência de sistemas legados. Muitos órgãos públicos operam com tecnologias ultrapassadas, que dificultam a integração de dados e a adoção de novas soluções. A redução dessa dependência passa por estratégias de modernização gradual, como a adoção de microsserviços, APIs abertas e plataformas em nuvem.
Por fim, é essencial reduzir a burocracia interna entre áreas. Processos fragmentados e falta de comunicação entre departamentos geram retrabalho e atrasos. A transformação digital deve promover fluxos integrados, com uso de BPM (Business Process Management) e ferramentas colaborativas que permitam uma visão unificada do serviço público.
3. Elevar: Aumentar o valor percebido pelo cidadão.
Elevar a qualidade da experiência do usuário é um dos pilares da inovação de valor. Isso significa oferecer serviços públicos que sejam intuitivos, rápidos e personalizados. A experiência do cidadão deve ser comparável à de serviços privados de excelência, com interfaces amigáveis, linguagem acessível e suporte multicanal.
Outro aspecto a ser elevado é a transparência e a rastreabilidade dos serviços. Plataformas digitais devem permitir que o cidadão acompanhe o andamento de suas solicitações em tempo real, receba notificações automáticas e tenha acesso claro às regras e prazos. Isso fortalece a confiança na administração pública e reduz a necessidade de interações repetidas.
A capacitação digital dos servidores também precisa ser elevada. A transformação digital não é apenas tecnológica, mas também humana. Investir em formação contínua, cultura de inovação e liderança digital é essencial para garantir que as equipes estejam preparadas para operar e evoluir os novos modelos de serviço.
4. Criar: Inovar com foco no cidadão e no impacto social
Criar canais digitais proativos é uma das grandes oportunidades da transformação digital. Em vez de esperar que o cidadão busque o serviço, o governo pode antecipar demandas com base em dados e eventos da vida (como nascimento, aposentadoria ou mudança de endereço). Isso transforma o Estado em um agente ativo na promoção do bem-estar.
A criação de serviços baseados em dados e inteligência artificial é outro diferencial estratégico. Com IA, é possível prever demandas, personalizar atendimentos e até mesmo identificar situações de risco social antes que se agravem. Isso amplia a capacidade do Estado de agir de forma preventiva e assertiva.
Por fim, é necessário criar modelos de atendimento centrados no cidadão. Isso envolve escutar o usuário, testar soluções com base em suas necessidades reais e iterar continuamente. A criação de laboratórios de inovação, uso de design thinking e metodologias ágeis são ferramentas poderosas para construir serviços públicos mais humanos, eficientes e inclusivos.
A automação, quando bem aplicada, não apenas melhora a eficiência, mas reinventa a entrega de valor ao cidadão.
Assim, a Inteligência Artificial no setor público deve ser usada como uma ferramenta estratégica para criar valor onde antes não existia. Atuando em contextos relativos à Análise preditiva para antecipar demandas sociais, IA generativa para apoiar a produção de conteúdo regulatório, educativo ou informativo e Sistemas inteligentes de triagem que priorizam atendimentos com base em critérios sociais e de urgência. Mais do que tecnologia, a IA deve ser vista como uma alavanca estratégica para impactar das políticas públicas.
Para navegar em um oceano azul, o setor público necessita adotar uma mentalidade de inovação de valor focada no que realmente importa para o cidadão, fomentando a colaboração entre áreas técnicas e finalísticas, rompendo, desta forma, eventuais silos organizacionais, além de investir em governança de dados e ética digital, assegurando a confiança e transparência ativa.
A transformação digital no governo não é apenas uma questão de tecnologia — é uma estratégia de reinvenção do serviço público. Ao aplicar os princípios da Estratégia do Oceano Azul, e AI First podemos sair da lógica da escassez e da competição interna para criar soluções inovadoras, inclusivas e sustentáveis. O futuro do governo digital será construído por quem tiver coragem de imaginar novos caminhos — e ousar trilhá-los.
Fontes e Conceitos
ESTRATÉGIA DO OCEANO AZUL, W. Chain Kim – Renée Mauborgne: instiga instituições, públicas ou privadas a transcender os limites conhecidos do mercado – oceano vermelho, impulsionando-as para águas inexploradas com vasta oportunidade de negócios e melhoria - oceano azul.
IA FIRST: abordagem que coloca a inteligência artificial no centro das decisões e operações de uma instituição. Em vez de tratá-la como um complemento, a proposta é integrá-la desde a concepção de produtos e serviços.
MATRIZ ERRC (Eliminate, Reduce, Raise, Create): ferramental desenvolvido pelos autores do livro Estratégia do oceano azul, utilizada para ajudar instituições a focar simultaneamente em eliminar e reduzir aspectos que não agregam valor, enquanto elevam e criam novos elementos que podem diferenciar seus produtos ou serviços.
Geraldo Barcellos - Chefe de TIC da Agência Reguladora de Água, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal – Adasa.

Autor

Geraldo Barcellos
CIO da ADASA